Disclosure

O autor deste blog situa-se ideologicamente no espectro da direita liberal.  Acredita que uma baixa generalizada e simplificação da carga fi...

17 de março de 2025

Disclosure

O autor deste blog situa-se ideologicamente no espectro da direita liberal. 

Acredita que uma baixa generalizada e simplificação da carga fiscal teria um impacto significativo na atração de investimento, quer estrangeiro quer nacional, pela possibilidade de capitalização do aumento da poupança das famílias. Isto a prazo solucionaria problemas crónicos como o da habitação, ou a fuga de capital humano.

Acredita nas liberdades individuais e na responsabilização do indivíduo. Acredita que os deveres do estado se centram na garantia dos direitos elementares para os seus cidadãos: a segurança, a justiça, a igualdade e o acesso à saúde e à educação. 

Acredita na inevitável falência da segurança social e que um novo modelo de pensões deve ser encontrado a curto prazo.

Acredita que a família e os seus valores devem ver o seu papel recentrado na sociedade e deve ser para a família que as políticas públicas devem ser direcionadas na sua maioria. Por família entende-se a união de duas pessoas, os seus descendentes e ascendentes diretos. 

RN

16 de março de 2025

A extrema-direita e a crise da democracia

Confesso que para esta crónica tive uma conversa prévia com o ChatGPT. A extrema-direita é já um fenómeno de pop culture. Domina a narrativa mediática há vários anos e diria que, para a grande maioria (eu incluído) seria um problema dar-lhe uma definição. Parece que pode ser tudo, e ao mesmo tempo não ser nada em concreto.

Então o que define a extrema-direita?
O ChatGPT diz-me que as suas principais características são o autoritarismo, o conservadorismo, o nacionalismo, o anti-comunismo e o anti-liberalismo, o populismo e a exclusão social.
Podemos constatar estas características pelos vários exemplos que a história classificou como extrema-direita: Hitler, Mussolini, Pinochet, Franco, Salazar...
Faz ainda a seguinte ressalva: "É importante destacar que a definição de extrema-direita pode variar de acordo com o contexto histórico e cultural. Enquanto algumas correntes se concentram em ideias económicas ultraliberais, outras podem defender um intervencionismo estatal, desde que sirva à preservação da ordem e dos valores tradicionais."

É nesta ressalva que está a génese da grande campanha de desinformação da nossa década: "O mundo encantado do Leão, da Feiticeira e da extrema-direita, onde esta pode ser qualquer coisa, desde que necessariamente simbolize o mal."
De modo algum se pode argumentar que dois regimes, que se caracterizam por algo tão oposto como ideias económicas ultraliberais e intervencionismo estatal podem ser colocados na mesma categoria, mesmo que se considere que o objetivo maior é a preservação da ordem e dos valores tradicionais. Isto apenas serve para encaixar o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini na categoria da extrema-direita. Embora estes regimes adotassem as suas ideias de totalismo, de estado poderoso e absoluto do socialismo, a bússola moral do senso comum instalado, que a esquerda reclama como sua, olha para estes regimes, constata que os seus actos foram tão horripilantes que só podem ser extrema-direita. Traduzido à letra, só podem ser uma posição extremada das ideias que a direita defende.
Desta forma, conseguimos dizer que na Europa contemporânea, os novos partidos que apontam a falência das instituições, os que acusam os vícios criados por décadas de governação dos chamados moderados, são a mesma coisa que foram Hitler ou Mussolini. Conseguimos inclusivamente dizer que Milei, o ultraliberal anarco-capitalista, é a mesma coisa que Hitler ou Mussolini.
Para o poder instalado, não é necessário defender as instituições, corrigir posições ou debater alternativas, basta dizer que aqueles que os contrariam são a mesma coisa que Hitler ou Mussolini.

 Em Portugal a estratégia foi a mesma, António Costa, o habilidoso, disse que o Chega é a extrema-direita, portanto os portugueses só poderiam votar nele, que era o garante da fronteira democrática. Disse ainda, o PSD é o parceiro natural do Chega, da extrema-direita, vai abrir a porta do roupeiro, e lá dentro está o mal. Habilidoso de facto, quem diz isto depois de ter formado governo em coligação com os partidos mais radicais à esquerda, que assumidamente se inspiram em doutrinas anti-democraticas. 

Rui Rio não foi capaz de contrariar esta narrativa. Não percebeu como é que o PSD, na sua óptica um partido de centro-esquerda, social democrático, que tanta vez votara ao lado de António Costa durante o seu governo minoritário, podia ser percepcionado pelo público como o parceiro natural da extrema-direita. Não percebeu que a retórica do Chega, certamente populista, certamente alterando várias vezes ao longo do tempo, poucas vezes foi levada a debate, poucas vezes foi combatida ideologicamente pelas hostes da esquerda. O argumento foi sempre, são a extrema-direita e o PSD vai-lhes dar a mão. Por mais vezes que Rui Rio dissesse que não faria coligações com o Chega, mais se dizia que Rui Rio não se definia em relação ao Chega. Habilidoso, de facto.

Nasce então a narrativa das linhas vermelhas. A ideia de que, numa democracia parlamentar representativa (um sistema onde os cidadãos, por impossibilidade de estarem todos presentes na assembleia, fazem-se representar pelos deputados que elegeram), existe um grupo de cidadãos que não se pode ver envolvido na discussão dos temas do país. É a ideia de que existe um grupo de cidadãos que não tem os mesmos direitos que os restantes grupos de cidadãos. Esta ideia é amplamente difundida nos meios de comunicação social, torna-se consensual. E tudo em prol, ironicamente, da defesa da democracia.

O controlo mediático da narrativa é a chave para o sucesso político, a visão para o país está sempre em segundo plano. Novamente, Rui Rio não percebe que as linhas vermelhas foram criadas por António Costa, o habilidoso, e não percebe que não consegue ter o controle sobre uma narrativa que não é sua. Habilidoso de facto, tão habilidoso que transforma umas eleições, que até ao dia anterior eram um empate técnico entre PS e PSD, numa maioria absoluta para o PS. Bravo! A extrema-direita teve por fim a sua utilidade, retirar à esquerda a obrigação de apresentar reformas para o país, substituindo este papel pelo de guardião da democracia. 

Luís Monteiro foi mais assertivo no controle da narrativa, com um peremptório não é não. O absurdo é que isto é apenas uma contradição da narrativa usada por António Costa, o habilidoso, em que não é sim, aquela em que os portugueses acreditaram. Isto prova para além de qualquer dúvida de que a lógica não guia a discussão política.
Mas a distorção da democracia mantém-se. O não é não ditou a impotência do governo. Continua a haver um grupo de cidadãos representado no parlamento que não pode participar nas discussões dos temas do país. Isto impossibilita consensos, impossibilita reformas. E caem governos. E há crise. Por mais que se diga que Montenegro cai por questões éticas ou pela superior busca da verdade, o governo de Montenegro cai por não haver um acordo de maioria parlamentar.

É a consequência das reações em cadeia causadas por uma narrativa controlada pela esquerda: inventa-se a noção de uma extrema-direita que é o mal e que é a posição extremada das ideias da direita, com isto define os limites da democracia, impõe-se a si própria o papel de zeladora desses limites e mantém-se relevante apesar de se retirar do debate das reformas. A direita centrista não consegue contrariar isto e submete-se a esses limites. Não se formam governos estáveis e não se chegam a consensos. Andamos de eleições em eleições até uma eventual maioria de partidos que a esquerda considere democráticos. Esse eventual governo fará reformas que uma possível maioria do espetro oposto irá reverter. Estaca zero.

O controlo da narrativa consegue-se com a distorção do discurso político. Efetivamente, a força de um partido vem, não da sua base ideológica, mas da sua eficácia em conseguir que a comunicação social adopte a sua linguagem. A comunicação social, que nós idealizamos como o quarto poder, o poder escrutinador, não é mais do que um veículo de transmissão de informação não filtrada. Esta foi a solução por si encontrada para sobreviver às redes sociais. Para o cidadão, é importante ter a noção de que nesta era, informação não é igual a verdade. A informação é as tentativas dos partidos em controlar a narrativa. E simplesmente, neste campo há partidos que são melhores do que outros. 
Isto distorse completamente o discurso político. Discutir um modelo de gestão em modo PPP para os hospitais, discutir alternativas para o nosso sistema de pensões, é privatizar o SNS e a Segurança Social, é ser ultraliberal e isso é extrema-direita. Discutir o aborto, discutir a ideologia política na educação, é ser conservador e isso é extrema-direita. Discutir a política de imigração, ou como a UE limita a nossa soberania é ser xenófobo e nacionalista e isso é extrema-direita. Discutir o papel das nossas forças de segurança, ou um aumento de penas para crimes sexuais ou de corrupção é ser estatista e autoritário e isso é extrema-direita.

Assim se controla uma narrativa.

RN

13 de março de 2025

Anatomia de uma crise

Nas últimas semanas assistimos a uma roda viva de mediatismo circense que, ao escalar, foi fazendo pulsar o sangue pelas veias da nossa débil comunicação social, que, de ridículo em ridículo, culminou numa auto induzida queda do governo.

Tudo começou com uma ideia simples: o primeiro ministro tem uma empresa familiar, que lhe gera uma fonte de rendimento fora da sua vida de funcionário público. Esta fonte de rendimento é muito acima da média portuguesa, e isto só pode ter uma explicação: aqui há gato! Qual gato? Neste ponto não sabemos, mas francamente, as características do gato serão sempre irrelevantes,  como se prova quando ficamos a saber que os valores cobrados pela dita empresa estão dentro dos praticados pelo mercado. A comunicação social já tem tema para ocupar a sua panóplia de opinadores.

Até então, o tema do momento era a lei dos solos. Habilmente, os média somam um mais um e constatam um potencial conflito de interesses entre a empresa do primeiro ministro, que também gere as propriedades da família, e esta lei. Mais, o primeiro ministro cedeu a sua parte da empresa à sua esposa, o que, como estão casados em regime de comunhão de bens, diz que na prática cedeu parte da empresa a si próprio. Tivesse o primeiro ministro cedido a totalidade da empresa aos seus filhos, os potenciais conflitos de interesse já não existiriam. Mais ainda, a empresa tem sede na moradia do primeiro ministro. Tivesse sede na moradia ao lado, e já não haveria polémica. O enredo adensa-se: o primeiro ministro está de momento no Brasil e não no jornal das 20h a dar explicações aos portugueses. Sabemos os pormenores dos vários protocolos assinados então no Brasil? A comunicação social não acha relevante. Sai também um relatório muito comprometedor sobre as responsabilidades do ministério da saúde na falta de resposta do INEM nas mortes que ocorreram durante as greves recentes. A comunicação acha que isto supera a gravidade de um potencial conflito de interesses? Obviamente que não. Provam-se duas coisas: a incapacidade do primeiro ministro em estar fisicamente em dois continentes em simultâneo, e a sua cobardia política. Sangue, sangue, sangue.

A lei dos solos ainda é uma preocupação dos nossos bons jornalistas, e desdobram-se os casos de membros do governo e deputados com empresas imobiliárias. Como é isto possível ou aceitável com a crise da habitação com que nos deparamos? Potenciais conflitos de interesse por toda a parte. Pergunto-me se em breve teremos molduras penais para potenciais crimes, considerando a pouca quantidade de casos que a nossa justiça tem pendente. Não é que tenhamos casos com 10 anos ligados a um ex-primeiro ministro nos tribunais, ou prescrições no caso BES. Pelo menos a nossa comunicação social, ou esqueceu-se momentaneamente, ou não acha relevante.

Atualmente, as ligações dos políticos a empresas imobiliárias, e a lei dos solos e a crise da habitação já não são tema. Conclui-se que alterações a solos rústicos não têm grande impacto nos centros urbanos, onde a crise é mais pronunciada, ou melhor ainda, que já não existe crise na habitação.

Eis que o primeiro ministro, finalmente dá as explicações tão aguardadas pelos portugueses. Primeiro em conferência, às 20h da noite, solene como a importância do tema requer, depois em plenário. Fala das propriedades da família, dos casebres, das árvores de fruto, das vinhas, possivelmente haverá um cão algures. Depois vem a parte mais densa: a faturação da empresa (choque!), e os contratos com os clientes que não pode revelar o nome, que são 4. Em Março de 2025 sabemos duas coisas: avença já é a palavra do ano, e uma empresa cujos serviços que presta estão aparentemente bem faturados, portando devidamente tributados, é algo que tresanda a ilegalidade. Tivesse este dinheiro passado por baixo da mesa e poderíamos ter assistido ao jogo entre o Benfica e o Barcelona sem mais em que pensar.

Depois de uma detalhada investigação jornalística, é revelado que um dos clientes é o grupo hoteleiro e gestor de casinos Solverde. Finalmente e sem mais demoras: o gato! São 4500€ mensais, como é possível? Está de acordo com os preços praticados pelo setor? Está, mas o ordenado mínimo são apenas 800€, isto é gozar com os portugueses. Qual é o setor já agora? Os rodapés dizem que é compliance, seja lá o que isso for. E isto só passa nos rodapés porque os ecrãs estão a explodir com informações importantíssimas. O primeiro ministro adquiriu casas e não recorreu a crédito bancário, e pagou-as com varias contas que não tinha declarado ao tribunal constitucional. Embora a lei preveja que não é necessário declarar contas com valores inferiores a 50 salários mínimos, isto tresanda a ilegalidade. De realçar que isto é completamente diferente de António Costa, que não declarou nenhuma conta  bancária pessoal ao tribunal constitucional porque nenhuma superava os 50 salários mínimos. Ainda no campo das informações importantes, o primeiro ministro, enquanto a sua casa em Lisboa está em obras, vive num hotel que custa 300€ por noite. Mais exactamente, 250€ por noite. Este valor é pago com dinheiros públicos? Não, mas entretanto a crise da habitação voltou e é uma vergonha, e é gozar com os portugueses.

O primeiro ministro, talvez lembrando o quão mais simples isto era quando era sobre a lei dos solos, sobre o casebre, as árvores de fruto, a vinha, possivelmente o cãozinho, adopta uma postura defensiva e diz que todas as explicações já foram prestadas, para quem estas não serviram, nenhuma outra servirá. A bola é devolvida à oposição. Os partidos rasgam as vestes. Já tinha saído uma moção de censura, via Chega com argumentos do mais alto nível como "Andam todos a gamar!", a palavra bandalheira também foi utilizada. Agora nova moção, via PCP. Ambas chumbadas. Pedro Nuno Santos, o carismático, diz que aos portugueses interessa só e apenas a verdade e, qual ministério público, qual tribunal, apresenta uma CPI ao próprio primeiro ministro! Como vimos no passado recente no caso das gémeas, a CPI foi uma ferramenta de obtenção da verdade e não uma de desgaste da imagem do Presidente da República.

O primeiro ministro absorve tudo isto, olha para a fraca representação parlamentar da sua AD, sem poder para aprovar as suas propostas, olha para o grupo parlamentar que não quer acordos de regime com ele, olha para o grupo parlamentar com quem traçou uma linha vermelha, e uma ideia vem lhe á cabeça: eleições! Apresenta uma moção de confiança.

Pedro Nuno Santos, o carismático, diz que os portugueses querem a verdade, não querem eleições, que ele de facto só estava a contar com perder umas eleições lá mais para setembro, que a CPI é o caminho e que tem de ser agora, que é necessário arrastar isto largos meses, que a CPI tem de ser o palco das televisões e não as propostas do governo para os problemas menos graves do país. E então, largos meses depois, dirá que isto é uma vergonha, que é gozar com os portugueses, que o governo não se foca dos verdadeiros problemas do país, que não tem outra escolha, moção de censura. A lógica diz que para isto acontecer o PS apenas tem de se abster na moção de confiança. Mas Alexandra Leitão diz que não, que vai perder as autárquicas em Lisboa e se Pedro Nuno Santos, o carismático, perder estas eleições ela já tem para onde ir. André Ventura diz que andam todos a gamar, e diz bandalheira.

Chega o dia da votação da moção de confiança e começa o jogo, não tão de xadrez, mas mais de damas. O governo tenta negociar. O governo retira a moção de confiança se o PS retirar a CPI. Porque o PS diz não querer eleições, diz querer a verdade, mas não se abstém na votação da moção. O governo contra propõe uma CPI de 15 dias e retira a moção. De 30 dias e retira a moção. De 60 dias. Correm rumores que se falou em 80 dias. O PS diz não, não e não. O PS quer a verdade e por isso não se abstém na votação. Os analistas vêm isto de duas formas: o governo está a cimentar o argumento que tudo fez para que não houvesse eleições e partir com este trunfo para a campanha eleitoral, ou o governo, dando conta das sondagens menos favoráveis, acobardou-se. As redações, com anos de experiência em apresentar a realidade, sabem que os portugueses não conseguem processar duas linhas de argumentação diferentes portanto, através do método de um-dó-li-tá, decidem-se pela cobardia política do governo. A votação ocorre, a moção é chumbada, o governo cai.

Marcelo Nosso-Presidente entra em cena, ouve os partidos, pondera e diz: eleições. Na cabeça dos nossos três estarolas corre o seguinte: pensa um, "Não há como eu perder isto, as pessoas ainda se lembram da governação socialista. E isto até estava a correr bem. Por outro lado, sinais de riqueza é prova de gamanço. E a comunicação social está toda contra mim. Bolas, onde é que eu me fui meter?", pensa o segundo: "Não há como eu perder isto, as pessoas querem a verdade e eu disse que queria a verdade. E ainda há o carisma. Por outro lado, não há nada além do carisma. E as pessoas ainda se lembram da indemnização da francesa. Bolas, onde é que eu me fui meter?", pensa o terceiro: "Não há como eu perder isto. Andam todos a gamar e ainda por cima isto é uma bandalheira. Por outro lado, nas nossas fileiras temos tipos que roubam malas nos aeroportos e outros que solicitam sexo a meninos. Bolas, onde é que eu me fui meter?".

RN