Então o que define a extrema-direita?
O ChatGPT diz-me que as suas principais características são o autoritarismo, o conservadorismo, o nacionalismo, o anti-comunismo e o anti-liberalismo, o populismo e a exclusão social.
Podemos constatar estas características pelos vários exemplos que a história classificou como extrema-direita: Hitler, Mussolini, Pinochet, Franco, Salazar...
Faz ainda a seguinte ressalva: "É importante destacar que a definição de extrema-direita pode variar de acordo com o contexto histórico e cultural. Enquanto algumas correntes se concentram em ideias económicas ultraliberais, outras podem defender um intervencionismo estatal, desde que sirva à preservação da ordem e dos valores tradicionais."
É nesta ressalva que está a génese da grande campanha de desinformação da nossa década: "O mundo encantado do Leão, da Feiticeira e da extrema-direita, onde esta pode ser qualquer coisa, desde que necessariamente simbolize o mal."
De modo algum se pode argumentar que dois regimes, que se caracterizam por algo tão oposto como ideias económicas ultraliberais e intervencionismo estatal podem ser colocados na mesma categoria, mesmo que se considere que o objetivo maior é a preservação da ordem e dos valores tradicionais. Isto apenas serve para encaixar o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini na categoria da extrema-direita. Embora estes regimes adotassem as suas ideias de totalismo, de estado poderoso e absoluto do socialismo, a bússola moral do senso comum instalado, que a esquerda reclama como sua, olha para estes regimes, constata que os seus actos foram tão horripilantes que só podem ser extrema-direita. Traduzido à letra, só podem ser uma posição extremada das ideias que a direita defende.
Desta forma, conseguimos dizer que na Europa contemporânea, os novos partidos que apontam a falência das instituições, os que acusam os vícios criados por décadas de governação dos chamados moderados, são a mesma coisa que foram Hitler ou Mussolini. Conseguimos inclusivamente dizer que Milei, o ultraliberal anarco-capitalista, é a mesma coisa que Hitler ou Mussolini.
Para o poder instalado, não é necessário defender as instituições, corrigir posições ou debater alternativas, basta dizer que aqueles que os contrariam são a mesma coisa que Hitler ou Mussolini.
Em Portugal a estratégia foi a mesma, António Costa, o habilidoso, disse que o Chega é a extrema-direita, portanto os portugueses só poderiam votar nele, que era o garante da fronteira democrática. Disse ainda, o PSD é o parceiro natural do Chega, da extrema-direita, vai abrir a porta do roupeiro, e lá dentro está o mal. Habilidoso de facto, quem diz isto depois de ter formado governo em coligação com os partidos mais radicais à esquerda, que assumidamente se inspiram em doutrinas anti-democraticas.
Rui Rio não foi capaz de contrariar esta narrativa. Não percebeu como é que o PSD, na sua óptica um partido de centro-esquerda, social democrático, que tanta vez votara ao lado de António Costa durante o seu governo minoritário, podia ser percepcionado pelo público como o parceiro natural da extrema-direita. Não percebeu que a retórica do Chega, certamente populista, certamente alterando várias vezes ao longo do tempo, poucas vezes foi levada a debate, poucas vezes foi combatida ideologicamente pelas hostes da esquerda. O argumento foi sempre, são a extrema-direita e o PSD vai-lhes dar a mão. Por mais vezes que Rui Rio dissesse que não faria coligações com o Chega, mais se dizia que Rui Rio não se definia em relação ao Chega. Habilidoso, de facto.
Nasce então a narrativa das linhas vermelhas. A ideia de que, numa democracia parlamentar representativa (um sistema onde os cidadãos, por impossibilidade de estarem todos presentes na assembleia, fazem-se representar pelos deputados que elegeram), existe um grupo de cidadãos que não se pode ver envolvido na discussão dos temas do país. É a ideia de que existe um grupo de cidadãos que não tem os mesmos direitos que os restantes grupos de cidadãos. Esta ideia é amplamente difundida nos meios de comunicação social, torna-se consensual. E tudo em prol, ironicamente, da defesa da democracia.
O controlo mediático da narrativa é a chave para o sucesso político, a visão para o país está sempre em segundo plano. Novamente, Rui Rio não percebe que as linhas vermelhas foram criadas por António Costa, o habilidoso, e não percebe que não consegue ter o controle sobre uma narrativa que não é sua. Habilidoso de facto, tão habilidoso que transforma umas eleições, que até ao dia anterior eram um empate técnico entre PS e PSD, numa maioria absoluta para o PS. Bravo! A extrema-direita teve por fim a sua utilidade, retirar à esquerda a obrigação de apresentar reformas para o país, substituindo este papel pelo de guardião da democracia.
Luís Monteiro foi mais assertivo no controle da narrativa, com um peremptório não é não. O absurdo é que isto é apenas uma contradição da narrativa usada por António Costa, o habilidoso, em que não é sim, aquela em que os portugueses acreditaram. Isto prova para além de qualquer dúvida de que a lógica não guia a discussão política.
Mas a distorção da democracia mantém-se. O não é não ditou a impotência do governo. Continua a haver um grupo de cidadãos representado no parlamento que não pode participar nas discussões dos temas do país. Isto impossibilita consensos, impossibilita reformas. E caem governos. E há crise. Por mais que se diga que Montenegro cai por questões éticas ou pela superior busca da verdade, o governo de Montenegro cai por não haver um acordo de maioria parlamentar.
É a consequência das reações em cadeia causadas por uma narrativa controlada pela esquerda: inventa-se a noção de uma extrema-direita que é o mal e que é a posição extremada das ideias da direita, com isto define os limites da democracia, impõe-se a si própria o papel de zeladora desses limites e mantém-se relevante apesar de se retirar do debate das reformas. A direita centrista não consegue contrariar isto e submete-se a esses limites. Não se formam governos estáveis e não se chegam a consensos. Andamos de eleições em eleições até uma eventual maioria de partidos que a esquerda considere democráticos. Esse eventual governo fará reformas que uma possível maioria do espetro oposto irá reverter. Estaca zero.
O controlo da narrativa consegue-se com a distorção do discurso político. Efetivamente, a força de um partido vem, não da sua base ideológica, mas da sua eficácia em conseguir que a comunicação social adopte a sua linguagem. A comunicação social, que nós idealizamos como o quarto poder, o poder escrutinador, não é mais do que um veículo de transmissão de informação não filtrada. Esta foi a solução por si encontrada para sobreviver às redes sociais. Para o cidadão, é importante ter a noção de que nesta era, informação não é igual a verdade. A informação é as tentativas dos partidos em controlar a narrativa. E simplesmente, neste campo há partidos que são melhores do que outros.
Isto distorse completamente o discurso político. Discutir um modelo de gestão em modo PPP para os hospitais, discutir alternativas para o nosso sistema de pensões, é privatizar o SNS e a Segurança Social, é ser ultraliberal e isso é extrema-direita. Discutir o aborto, discutir a ideologia política na educação, é ser conservador e isso é extrema-direita. Discutir a política de imigração, ou como a UE limita a nossa soberania é ser xenófobo e nacionalista e isso é extrema-direita. Discutir o papel das nossas forças de segurança, ou um aumento de penas para crimes sexuais ou de corrupção é ser estatista e autoritário e isso é extrema-direita.
Assim se controla uma narrativa.
RN
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