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Anatomia de uma crise
Nas últimas semanas assistimos a uma roda viva de mediatismo circense que, ao escalar, foi fazendo pulsar o sangue pelas veias da nossa débil comunicação social, que, de ridículo em ridículo, culminou numa auto induzida queda do governo.
Tudo começou com uma ideia simples: o primeiro ministro tem uma empresa familiar, que lhe gera uma fonte de rendimento fora da sua vida de funcionário público. Esta fonte de rendimento é muito acima da média portuguesa, e isto só pode ter uma explicação: aqui há gato! Qual gato? Neste ponto não sabemos, mas francamente, as características do gato serão sempre irrelevantes, como se prova quando ficamos a saber que os valores cobrados pela dita empresa estão dentro dos praticados pelo mercado. A comunicação social já tem tema para ocupar a sua panóplia de opinadores.
Até então, o tema do momento era a lei dos solos. Habilmente, os média somam um mais um e constatam um potencial conflito de interesses entre a empresa do primeiro ministro, que também gere as propriedades da família, e esta lei. Mais, o primeiro ministro cedeu a sua parte da empresa à sua esposa, o que, como estão casados em regime de comunhão de bens, diz que na prática cedeu parte da empresa a si próprio. Tivesse o primeiro ministro cedido a totalidade da empresa aos seus filhos, os potenciais conflitos de interesse já não existiriam. Mais ainda, a empresa tem sede na moradia do primeiro ministro. Tivesse sede na moradia ao lado, e já não haveria polémica. O enredo adensa-se: o primeiro ministro está de momento no Brasil e não no jornal das 20h a dar explicações aos portugueses. Sabemos os pormenores dos vários protocolos assinados então no Brasil? A comunicação social não acha relevante. Sai também um relatório muito comprometedor sobre as responsabilidades do ministério da saúde na falta de resposta do INEM nas mortes que ocorreram durante as greves recentes. A comunicação acha que isto supera a gravidade de um potencial conflito de interesses? Obviamente que não. Provam-se duas coisas: a incapacidade do primeiro ministro em estar fisicamente em dois continentes em simultâneo, e a sua cobardia política. Sangue, sangue, sangue.
A lei dos solos ainda é uma preocupação dos nossos bons jornalistas, e desdobram-se os casos de membros do governo e deputados com empresas imobiliárias. Como é isto possível ou aceitável com a crise da habitação com que nos deparamos? Potenciais conflitos de interesse por toda a parte. Pergunto-me se em breve teremos molduras penais para potenciais crimes, considerando a pouca quantidade de casos que a nossa justiça tem pendente. Não é que tenhamos casos com 10 anos ligados a um ex-primeiro ministro nos tribunais, ou prescrições no caso BES. Pelo menos a nossa comunicação social, ou esqueceu-se momentaneamente, ou não acha relevante.
Atualmente, as ligações dos políticos a empresas imobiliárias, e a lei dos solos e a crise da habitação já não são tema. Conclui-se que alterações a solos rústicos não têm grande impacto nos centros urbanos, onde a crise é mais pronunciada, ou melhor ainda, que já não existe crise na habitação.
Eis que o primeiro ministro, finalmente dá as explicações tão aguardadas pelos portugueses. Primeiro em conferência, às 20h da noite, solene como a importância do tema requer, depois em plenário. Fala das propriedades da família, dos casebres, das árvores de fruto, das vinhas, possivelmente haverá um cão algures. Depois vem a parte mais densa: a faturação da empresa (choque!), e os contratos com os clientes que não pode revelar o nome, que são 4. Em Março de 2025 sabemos duas coisas: avença já é a palavra do ano, e uma empresa cujos serviços que presta estão aparentemente bem faturados, portando devidamente tributados, é algo que tresanda a ilegalidade. Tivesse este dinheiro passado por baixo da mesa e poderíamos ter assistido ao jogo entre o Benfica e o Barcelona sem mais em que pensar.
Depois de uma detalhada investigação jornalística, é revelado que um dos clientes é o grupo hoteleiro e gestor de casinos Solverde. Finalmente e sem mais demoras: o gato! São 4500€ mensais, como é possível? Está de acordo com os preços praticados pelo setor? Está, mas o ordenado mínimo são apenas 800€, isto é gozar com os portugueses. Qual é o setor já agora? Os rodapés dizem que é compliance, seja lá o que isso for. E isto só passa nos rodapés porque os ecrãs estão a explodir com informações importantíssimas. O primeiro ministro adquiriu casas e não recorreu a crédito bancário, e pagou-as com varias contas que não tinha declarado ao tribunal constitucional. Embora a lei preveja que não é necessário declarar contas com valores inferiores a 50 salários mínimos, isto tresanda a ilegalidade. De realçar que isto é completamente diferente de António Costa, que não declarou nenhuma conta bancária pessoal ao tribunal constitucional porque nenhuma superava os 50 salários mínimos. Ainda no campo das informações importantes, o primeiro ministro, enquanto a sua casa em Lisboa está em obras, vive num hotel que custa 300€ por noite. Mais exactamente, 250€ por noite. Este valor é pago com dinheiros públicos? Não, mas entretanto a crise da habitação voltou e é uma vergonha, e é gozar com os portugueses.
O primeiro ministro, talvez lembrando o quão mais simples isto era quando era sobre a lei dos solos, sobre o casebre, as árvores de fruto, a vinha, possivelmente o cãozinho, adopta uma postura defensiva e diz que todas as explicações já foram prestadas, para quem estas não serviram, nenhuma outra servirá. A bola é devolvida à oposição. Os partidos rasgam as vestes. Já tinha saído uma moção de censura, via Chega com argumentos do mais alto nível como "Andam todos a gamar!", a palavra bandalheira também foi utilizada. Agora nova moção, via PCP. Ambas chumbadas. Pedro Nuno Santos, o carismático, diz que aos portugueses interessa só e apenas a verdade e, qual ministério público, qual tribunal, apresenta uma CPI ao próprio primeiro ministro! Como vimos no passado recente no caso das gémeas, a CPI foi uma ferramenta de obtenção da verdade e não uma de desgaste da imagem do Presidente da República.
O primeiro ministro absorve tudo isto, olha para a fraca representação parlamentar da sua AD, sem poder para aprovar as suas propostas, olha para o grupo parlamentar que não quer acordos de regime com ele, olha para o grupo parlamentar com quem traçou uma linha vermelha, e uma ideia vem lhe á cabeça: eleições! Apresenta uma moção de confiança.
Pedro Nuno Santos, o carismático, diz que os portugueses querem a verdade, não querem eleições, que ele de facto só estava a contar com perder umas eleições lá mais para setembro, que a CPI é o caminho e que tem de ser agora, que é necessário arrastar isto largos meses, que a CPI tem de ser o palco das televisões e não as propostas do governo para os problemas menos graves do país. E então, largos meses depois, dirá que isto é uma vergonha, que é gozar com os portugueses, que o governo não se foca dos verdadeiros problemas do país, que não tem outra escolha, moção de censura. A lógica diz que para isto acontecer o PS apenas tem de se abster na moção de confiança. Mas Alexandra Leitão diz que não, que vai perder as autárquicas em Lisboa e se Pedro Nuno Santos, o carismático, perder estas eleições ela já tem para onde ir. André Ventura diz que andam todos a gamar, e diz bandalheira.
Chega o dia da votação da moção de confiança e começa o jogo, não tão de xadrez, mas mais de damas. O governo tenta negociar. O governo retira a moção de confiança se o PS retirar a CPI. Porque o PS diz não querer eleições, diz querer a verdade, mas não se abstém na votação da moção. O governo contra propõe uma CPI de 15 dias e retira a moção. De 30 dias e retira a moção. De 60 dias. Correm rumores que se falou em 80 dias. O PS diz não, não e não. O PS quer a verdade e por isso não se abstém na votação. Os analistas vêm isto de duas formas: o governo está a cimentar o argumento que tudo fez para que não houvesse eleições e partir com este trunfo para a campanha eleitoral, ou o governo, dando conta das sondagens menos favoráveis, acobardou-se. As redações, com anos de experiência em apresentar a realidade, sabem que os portugueses não conseguem processar duas linhas de argumentação diferentes portanto, através do método de um-dó-li-tá, decidem-se pela cobardia política do governo. A votação ocorre, a moção é chumbada, o governo cai.
Marcelo Nosso-Presidente entra em cena, ouve os partidos, pondera e diz: eleições. Na cabeça dos nossos três estarolas corre o seguinte: pensa um, "Não há como eu perder isto, as pessoas ainda se lembram da governação socialista. E isto até estava a correr bem. Por outro lado, sinais de riqueza é prova de gamanço. E a comunicação social está toda contra mim. Bolas, onde é que eu me fui meter?", pensa o segundo: "Não há como eu perder isto, as pessoas querem a verdade e eu disse que queria a verdade. E ainda há o carisma. Por outro lado, não há nada além do carisma. E as pessoas ainda se lembram da indemnização da francesa. Bolas, onde é que eu me fui meter?", pensa o terceiro: "Não há como eu perder isto. Andam todos a gamar e ainda por cima isto é uma bandalheira. Por outro lado, nas nossas fileiras temos tipos que roubam malas nos aeroportos e outros que solicitam sexo a meninos. Bolas, onde é que eu me fui meter?".
RN
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